Estação Carandiru — Dráuzio Varella | RESENHA

Luíza Cipriani
3 min readJan 29, 2018

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Um dos mais icônicos livros da literatura brasileira e o mais famoso de Dráuzio Varella, Estação Carandiru nos mostra uma realidade que tendemos a ignorar. Publicado em 1999, o livro registra experiências do autor durante o período em que fez um trabalho voluntário de prevenção à AIDS na Casa de Detenção de São Paulo — o maior presídio da América Latina à época.

“Neste livro, procuro mostrar que a perda da liberdade e a restrição do espaço físico não conduzem à barbárie, ao contrário do que muitos pensam. Em cativeiro, os homens, como os demais grandes primatas (orangotangos, gorilas, chipanzés e bonobos), criam novas regras de comportamento com o objetivo de preservar a integridade do grupo. Esse processo adaptativo é regido por um código penal não escrito, como na tradição anglo-saxônica, cujas leis são aplicadas com extremo rigor.”

Dito isso, Dráuzio mostra todo o funcionamento do presídio com linguagem jornalística e expositiva, começando com uma descrição física do local tão exemplar que nos faz sentir como se estívessemos passeando pelos pavilhões durante todo o livro, tão familiarizados ficamos com o ambiente. Em seguida, descreve a rotina dos presos, incluindo refeições, faxinas, visitas, trabalhos e outos aspectos da organização e da vida dentro da cadeia.

Na sequência, o autor nos conta, em curtos capítulos e adquirindo um tom machadiano de contar os “causos”, histórias de vida dos presos. Essas histórias nos fazem lembrar o que muitas vezes se faz esquecer: os presos também são pessoas, com esposas, filhos, mães, sentimentos, angústias e necessidades. São pessoas como nós, não inferiores, e que ainda possuem direitos.

Ao longo do livro, aprendi coisas que mudaram muito o estereótipo incutido na minha cabeça, sem nenhuma experiência, sobre o sistema carcerário brasileiro. Pude descobrir, por exemplo, que tudo é limpo, pois ninguém ousa jogar lixo nas áreas internas, e que o dono de um raro xadrez sujo é tratado com desdém pelos demais.

Ao contrário do que eu pensava, descobri que lá dentro as mulheres visitantes e as presas travestis são tratadas com extremo respeito, e que idade ou força física individual são de pouca valia em meio aos encarcerados. Dráuzio também traz algumas curiosidades interessantes, como o fato de que os estupradores e justiceiros são colocados juntos nas celas, para que se protejam em caso de vingança carcerária, já que são os dois grupos mais odiados entre os presos.

Por fim, e mantendo a fluência de leitura que percorre todo o livro, Dráuzio narra o episódio que ficou conhecido como “o massacre do Carandiru”, ocorrido em outubro de 1992. Nesta ocasião, a intervenção inautorizada da Polícia Militar dentro do presídio causou a morte de 111 presos, com atrocidades registradas de forma muito impactante e comovente pelo autor.

“Estação Carandiru” nos tira da zona de conforto. Sua importância está centrada na exposição de uma realidade oculta aos nossos olhos privilegiados: uma realidade que provavelmente nunca vivenciaremos, mas que devemos conhecer e jamais ignorar.

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Luíza Cipriani

Viagens, livros e outras coisas mais. // 24, Florianópolis