História da Riqueza do Homem — Leo Huberman | RESENHA

Luíza Cipriani
4 min readFeb 29, 2020

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É com maestria que o estadunidense Leo Huberman se propõe a escrever em História da Riqueza do Homem, de forma inédita, uma obra que busca “explicar a história pela teoria econômica e a teoria econômica pela história”, como diz o próprio autor. Ao meu ver, essa conexão é o primeiro aspecto a ser ressaltado da obra, dada a importância de compreender os processos históricos a partir de um ponto de vista contextualizado e interdisciplinar, analisando-os de forma conjunta com as teorias e disputas econômicas.

Não suficiente, o autor se propôs a cumprir esta tarefa tendo em vista atingir principalmente um público específico: os jovens e trabalhadores. Por isso, a linguagem empregada é admiravelmente clara, didática e acessível, ainda que para falar de assuntos tradicionalmente tidos como complexos, como as teorias econômicas de autores clássicos.

Para tanto, a obra é dividida em duas partes, delineadas a partir da discussão acerca dos modelos feudal, capitalista e socialista. A primeira trata-se do processo histórico e econômico que leva o sistema feudal à decadência e, por sua vez, o consequente surgimento do sistema capitalista. Assim, é retratado com brilhantismo o funcionamento e a divisão da sociedade feudal, bem como o aparecimento dos primeiros comerciantes, a formação das cidades, a crise da Igreja Católica, a industrialização e assim por diante, até a consolidação da burguesia com suas revoluções e conquistas.

Na segunda parte do livro, o objetivo é retratar o desenvolvimento e consolidação do capitalismo até os moldes considerados modernos para a época em que a História da Riqueza do Homem foi publicado (1936). Assim, trata-se de aspectos como o desenvolvimento das formas de acumulação de capital, as revoluções industrial e agrícola, as principais teorias econômicas da época, o imperialismo, a ascensão do nazifascismo e, ainda, de um modelo alternativo ao sistema capitalista: o socialismo.

Merece destaque também, além da didática com que todos esses ensinamentos são transmitidos, como já mencionado, a impecável linha de raciocínio construída pelo autor. Dessa forma, a sequência lógica e sequencial da narrativa facilita muito a compreensão dos processos históricos e econômicos retratados.

Além disso, um outro diferencial da obra — que, na minha opinião, é o mais merecedor de destaque — é a inclusão da narrativa dos fatos a partir de diversos pontos de vistas, inclusive dos pobres, trabalhadores e outras classes subalternas cujas visões são normalmente esquecidas pela história, já que tradicionalmente a única perspectiva registrada é a das classes dominantes.

Huberman consegue executar este feito principalmente a partir da análise de documentos e outras fontes históricas de diversas épocas, incluindo na narrativa a “participação” e o depoimento de pessoas de diferentes épocas, interesses e níveis sociais. Deste modo, o resultado é uma obra com forte embasamento, testemunhas e dados, creditando notável fidelidade aos argumentos.

Apesar disso, vale ressaltar como, ao mesmo tempo, a obra continua extremamente atual, ainda que mais de 80 anos tenham se passado desde a sua publicação. Isso porque as análises de Huberman são extremamente lúcidas, visionárias e, consequentemente, têm o poder de perdurar no tempo. Esse aspecto é ainda mais aprimorado na 22ª edição do livro, a qual inclui dois capítulos escritos em 2009 por Márcia Guerra. Estes trazem atualizações e novas análises acerca dos acontecimentos posteriores à publicação da História da Riqueza do Homem, como a Segunda Guerra Mundial, a nova configuração geopolítica após a independência de diversos países africanos e asiáticos, a reconfiguração de hegemonia instaurada pela Guerra Fria e a posterior decadência dos domínios socialistas.

Vale notar, ainda, que é claramente refletido na obra o aguçado senso crítico de Huberman, que incita o leitor a desenvolvê-lo, da mesma forma, com a leitura em tela. Utilizando-se disso, é interessante perceber como as inúmeras imperfeições do sistema capitalista são destacadas com fundamentada argumentação, além de sempre incluir no texto posicionamentos opostos aos seus quando se tratam de determinadas posições teóricas ou políticas.

Além do mais, percebe-se que tais críticas do autor em relação ao capitalismo são coerentes com o contexto em que viveu e escreveu sua obra, caracterizado pela descrença em tal sistema — de forma especial após os horrores da Primeira Guerra Mundial e da crise de 1929 — e pelo encontro esperançoso de uma alternativa no socialismo.

É justamente neste sentido que percebo a importância de ler a História da Riqueza do Homem no contexto histórico, político e econômico em que nos encontramos, marcado pelo ressurgimento do neoliberalismo, com políticas individualistas e fragmentadoras. Esse livro é um convite para refletirmos sobre o impacto social de tais políticas no momento presente e também sob uma perspectiva contextualizada da história e da economia, a partir dos processos que culminaram com a conjuntura atual. É, enfim, um incentivo à solidariedade, à empatia e à união classista em busca de valores fundamentais e como manifestação de resistência à dominação articulada para impor-se de forma cada vez mais violenta. Afinal, é indispensável entender o mundo e os processos que assim o configuraram para que possamos transformá-lo.

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Written by Luíza Cipriani

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