INSTITUTO INHOTIM: arte, natureza e crítica social em Brumadinho — MG

Luíza Cipriani
9 min readMar 11, 2019

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A 50 km ao norte de Belo Horizonte, na cidade de Brumadinho, se encontra um lugar incrível chamado Instituto Inhotim. É o maior museu a céu aberto do planeta, reunindo em seus 141 hectares de área 700 obras de arte (é quase impossível ver tudo em um dia!) de mais de 100 artistas, representantes de mais de 30 países! Como se não bastasse, é também um jardim botânico, no qual as plantas rodeiam as obras de arte e se relacionam diretamente com elas.

O nome Inhotim deriva de Senhor Timoty — antigo dono de terras de mineração na região — , no sotaque mineiro abreviado para inhô Tim. Já na década de 80, Bernardo Paes, apaixonado por arte, compra um sítio em Brumadinho e ali começa a formar uma coleção. Em 2005, Paes abre o acervo para o púbico da cidade, e em 2006 para o público em geral, como permanece até hoje. Para finalizar, em 2010 o sítio ganha também o título de jardim botânico.

Eu e a penetrável Magic Square, do Hélio Oiticica, lá atrás

As obras do Instituto Inhotim se identificam com a corrente chamada de arte contemporânea, iniciada no começo do século XX com a polêmica obra “Fonte”, de Marcel Duchamp. Esse tipo de arte nos conduz ao questionamento do que é arte, ao mesmo tempo em que nos incentiva a encontrar arte em lugares ou peças inusitadas, não tradicionalmente relacionadas a isso. Nesse sentido, é importante ressaltar que o espaço museológico e a frequência que o visitamos treina o nosso olhar para ver a arte em todos os lugares, além de nos capacitar para atingir mehores e múltiplas interpretações acerca das obras.

Neste post, apesar de a parte botânica também ter muito a nos ensinar, resolvi focar na parte artística, que, particularmente, me desperta mais interesse. Assim, reuni abaixo informações sobre as obras, entre as quais eu visitei (não dá tempo de ver tudo), que mais me chamaram a atenção no museu!

SEM TÍTULO, Edgard de Souza

Nesse conjunto de 3 esculturas, quando observadas atentamente, chama a atenção o fato de que nenhuma delas tem rosto. Esta foi a forma que o artista escolheu para apontar que conhecer alguém vai muito além de reconhecer o seu rosto, ainda que uma das principais características dos grandes primatas (grupo do qual fazemos parte) seja o reconhecimento de semelhantes através dessa parte do corpo. Inclusive, quem conheceu o artista consegue reconhecer nas esculturas um auto-retrato, devido à fisionomia do corpo e às posições de ioga, atividade pela qual Edgard nutria profunda paixão.

THE MAHOGANY PAVILION, Simon Starling

Cercada por vegetações naturais, se destaca um objeto estranho: uma imitação de árvore cuja copa é um barco de madeira (especificamente do tipo magni, que tem idade de corte de 70 anos) invertido. Parece uma loucura, mas é uma obra que faz um apelo de forma brilhante. Starling inverte o processo de desmatamento e extração de madeira, sabendo que esta “árvore” não dá frutos, não faz fotossíntese…não tem vida! Isso provoca a reflexão no sentido de que devemos ter muito cuidado ao transformar árvores em objetos de madeira — como o barco utilizado — , já que não sabemos transformá-los de volta em árvore. Em resumo, é uma obra para lembrar que os recursos da natureza são finitos, ainda que o tratemos de forma contrária.

INMENSA, Cildo Meireles

Para entender as obras desse artista, é indispensável compreender seu posicionamento e contexto político. Cildo é um artista abertamente de esquerda e fortemente impactado pela ditadura militar, característica que fica bem evidente em suas obras. Seu pai, inclusive, foi o jornalista que noticiou a morte de Vladmir Herzog. Inmensa, especificamente, representa a complexidade da sociedade capitalista através de mesas e cadeiras sobrepostas de modo a formar escadas. Uma mesa grande representa o capital, e abaixo dela os grandes capitalistas. Na base, sustentando toda a estrutura, se encontra o proletariado. Se alguma parte da base é retirada, tudo se desestabiliza. Além disso, perceba que quanto mais ao alto chega a escada, mais distante ficam os degraus, ou seja, mais difícil é de se alcançar o topo da sociedade capitalista — cabe aqui, inclusive, um questionamento sobre meritocracia. Não suficiente, o artista utilizou ferro oxidável para sua obra, dando a entender que, naturalmente, chegará o momento em que o material vai ruir, simbolizando a queda desse sistema. Para resumir em uma palavra, achei genial.

DESVIO PARA O VERMELHO, Cildo Meireles

No Instituto também está exposta uma outra obra do mesmo artista citado acima, chamada Desvio para o Vermelho. Se trata, entre outros aspectos, da disparidade entre o número oficial de mortos pela ditadura militar brasileira e o verdadeiro. Cildo representou isso brilhantemente através de uma pequena garrafa aberta, da qual sai um rastro vermelho (em referência a sangue) que vai se alargando à medida que adentramos um espaço escuro. Até que, no final da sala, em meio à escuridão total, uma torneira jorra água vermelha incessantemente. Isto é, o que é revelado é apenas uma parte minúscula do real número de vítimas, que aumenta proporcionalmente com a obscuridão sobre a qual é escondida.

BOXHEAD, Paul McCarthy

A obra de McCarthy — sensacional, diga-se de passagem — une em uma única escultura as imagens do Mickey, Dumbo e Pinóquio, que nos fazem lembrar da infância. Repare que, no lugar onde deveria estar uma cabeça, há uma caixa. A crítica do artista nos provoca a reflexão no sentido de que as crianças de hoje em dia estão, como a estátua, “sentando” nos livros e, por outro lado, se interessando apenas pelas imagens, objetivas, fazendo assim com que se perca a rica subjetividade da leitura. Além disso, aponta para o fato de que as cabeças de nossas crianças estão virando uma caixa, fora da qual elas não conseguem pensar. A caixa, aqui, representa a televisão, acompanhada pelo grande nariz do pinóquio como crítica ao seu conteúdo falacioso e manipulador. Note que, no chão, ao lado da estrutura principal, repousa um cérebro, do qual não se sente mais necessidade após ter sido substituído pela caixa. Incrível demais, né?

TRUE ROUGE, Tunga

Por último (mas nem um pouco menos importante), vamos falar sobre a obra que é abrigada pela primeira galeria a ser criada no Instituto Inhotim e também a minha preferida! Se chama True Rouge, que em francês significa “vermelho verdadeiro”. A obra é composta predominantemente por esta cor, com vasos, líquidos e objetos pendurados no teto por fios. É uma alusão às mulheres! O líquido vermelho dentro dos vasos lembra sangue, mais especificamente o da menstruação, que se faz presente durante a idade fértil da mulher. Por isso, alguns vasos estão vazios — representando as mulheres inférteis — , outros cheios — representando as férteis — e, por fim, outros que um dia estiveram cheios, mas agora estão secos — representando as mulheres que um dia foram férteis mas que não mais o são. Os vasos são feitos de vidro, como uma possível forma de criticar a dita “fragilidade” feminina, bem como a ideia de sermos o “sexo frágil”, quando na verdade provamos diariamente, sem cessar, nossa força e resistência. Dentro dos vasos encontram-se também utensílios domésticos, como esponja, esfregão, etc., criticando a ideia de que as mulheres são “do lar” e de que esse tipo de responsabilidade é tradicionalmente atribuída apenas às mulheres. Por fim, é válido notar que toda a estrutura de vasos e objetos está suspensa pelo mesmo tipo de estrutura que manipula fantoches, em referência ao controle social dos corpos femininos, extendendo-se à reprodução. Enfim, me faltam adjetivos pra conseguir descrever quanto incrível eu achei essa obra!

Galeria True Rouge, a minha preferida

INHOTIM E O ROMPIMENTO DA BARRAGEM

Não dá mais pra falar de Brumadinho sem nos remetermos à terrível tragédia ocorrida no mês de janeiro de 2019 por causa do rompimento de uma barragem da empresa mineradora Vale, caracterizando crime ambiental. O acontecimento assolou a cidade e gerou incontáveis vítimas, muitas das quais ainda não foram encontradas.

Apesar da intensidade da tragédia, felizmente a lama decorrente do rompimento da barragem não chegou no Instituto Inhotim. Os seus impactos, porém, principalmente psicológicos, atingiram fortemente o local: 41 funcionários do museu perderam familiares no ocorrido. Além disso, o Instituto agora tem ainda mais importância e responsabilidade para com a cidade, no sentido de ser a principal aposta para ajudar Brumadinho a se reerguer através do turismo e atividades culturais.

Para saber mais sobre o posicionamento e o papel do Inhotim frente a este acontecimento, sugiro muito conferir as duas reportagens seguintes:

Enfim, é preciso deixar claro que a visita ao Inhotim não é somente uma experiência visual, mas sensorialmente múltipla, composta por cheiros, sons, ar fresco e muito mais. Ou seja, nenhuma foto é capaz de transmitir totalmente a riqueza desse lugar incrível que tem tanto a nos oferecer! Por isso, recomendo 100% a visita para quem tiver a oportunidade!

Quero ressaltar também que o Instituto Inhotim é um lugar para o qual considero indispensável a orientação de um guia bem preparado, possibilitando selecionar as principais obras, interpretá-las (o mais difícil!) e apontar para a relação delas com a vegetação ao redor. Caso contrário, o Instituto Inhotim acaba se reduzindo apenas a plantas quaisquer rodeando obras “estranhas”, a menos que você tenha uma compreensão artística mais apurada. Fora isso, reafirmo que Inhotim sem guia é só um passeio em um lugar bonito, sem muito acréscimo de cultura, quando na verdade pode ser muuuito mais do que isso!

Além de tudo, o lugar é lindo!

Eu fiz o meu passeio com o guia Eguiberto, conhecido como Betto, e foi impecável! Praticamente tudo que foi escrito neste post aprendi com ele e também refleti muito, graças às VÁRIAS informações riquíssimas e provocações trazidas por ele. A qualidade do guia e seu alto grau de cultura foi fundamental para que a visita ao Instituto Inhotim fosse tão enriquecedora. Recomendo o trabalho dele sem pensar duas vezes!

Contato: (31) 98864185 (whatsapp) ou @betto.fernandes.guia (instagram).

Custa R$ 44,00 o ingresso inteiro para visitar o museu.

Espero que você tenha gostado do post e, para qualquer dúvida, estou a disposição por aqui ou pelas outras redes sociais. Se quiser mais dicas, me acompanhe no instagram (@wheresluiza), onde eu posto várias informações e dicas sobre a minha viagem a Minas Gerais e muitas outras!

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Luíza Cipriani
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Written by Luíza Cipriani

Viagens, livros e outras coisas mais. // 24, Florianópolis

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