MEMORIAL 2 DE JULHO — Salvador, BAHIA.
Eu sei que te ensinaram que a independência do Brasil foi declarada dia 7 de setembro de 1822. Mas e se eu te disser que, na prática, ela só aconteceu mesmo dia 2 de julho de 1823?
Pra entender melhor essa história, fui visitar o Memorial 2 de Julho, que fica em Salvador, capital baiana, e deixo aqui o registro do que aprendi por lá!
UM POUCO DE HISTÓRIA
Quando Dom Pedro I declarou a independência do Brasil às margens do Rio Ipiranga, as tropas portuguesas, que não queriam aceitar a proclamação e deixar o país, se dirigiram para Salvador, por ser uma cidade de grande importância geográfica e econômica (naquela época, uma das mais populosas do Brasil!). Além disso, a Bahia era uma região estratégica para os portugueses devido ao seu porto importante e à sua economia baseada na produção de açúcar, tabaco e outros produtos agrícolas.
Porém, os brasileiros já não estavam mais tolerando a presença dos militares portugueses em suas terras como outrora, e o estopim dessa tensão se deu quando um português chamado Madeira de Mello assumiu o cargo de governador das armas da Bahia.
Isso gerou uma rebelião dos militares de Salvador, que por isso foram atacados pelas tropas portuguesas. Mais de 200 pessoas morreram no conflito que se sucedeu dentro da cidade, inclusiva a abadia Joana Angélica, que se tornou uma mártire da guerra.
Salvador foi tomada pelos portugueses e, enquanto isso, a resistência brasileira se refugiou nas demais cidades do Recôncavo baiano, de modo a formar basicamente um cinturão de isolamento em torno da capital.
Depois disso, houve mais um confronto marcante na cidade de Cachoeira. Nessa ocasião, porém, os civis se juntaram aos soldados baianos e os portugueses saíram derrotados.
Pra piorar a situação deles, o general francês Labatut e o almirante inglês Chochrane foram convocados por Dom Pedro I para ajudar os brasileiros, de modo que os portugueses ficaram cercados por terra e mar, o que tornava quase impossível de chegar armamento e comida em Salvador.
Desesperados, os portugueses tentaram romper esse cerco duas vezes, através das batalhas de Pirajá e Itaparica.
Batalha do Pirajá
A batalha de Pirajá foi a maior de toda essa guerra. A partir de julho de 1822, as tropas baianas organizadas desde Cachoeira se concentraram na região do Pirajá e de Itapuã, nos arredores da Cidade da Bahia, a fim de impedir que os portugueses tivessem acesso ao Recôncavo. Salvador recebia boa parte de seus alimentos do interior, principalmente por duas vias: pela Estrada das Boiadas ou através de embarcações que transitavam entre o rio Paraguaçu e a Baía de Todos os Santos.
De Cabrito a Itapuã, concentraram-se tropas, tais como: o 10 Regimento de Infantaria de Linha; a milícia de Cachoeira, junto com soldados da Legião dos Caçadores; uma guarda dos Caçadores Henriques, milícia formada por negros da capital; e as milícias formadas por indígenas, com seus arcos e flechas.
Na madrugada do dia 8 de novembro de 1822, cerca de 250 soldados portugueses desembarcaram em Itacaranha, atacando a área do Engenho do Cabrito, enquanto um outro grupo avançava por terra até Pirajá.
Nesse contexto, se destacou Maria Quitéria, baiana que se vestiu de homem para lutar na guerra. Também é memorável a famosa história do Corneteiro Lopes: dizem que o general do exército brasileiro mandou ele emitir um som que significava “recuar”, dando ordens à tropa que estava em um número muito menor do que a portuguesa. Mas em vez disso, dizem que ele emitiu um som que ordenava a cavalaria a avançar, o que fez os portugueses se assustarem e fugirem, sendo que os brasileiros nem tinham cavalaria!
Batalha de Itaparica
As batalhas terrestres da guerra da Independência se concentraram nos arredores de Salvador, uma vez que a capital da Bahia estava ocupada por Madeira de Melo e o Exército português. Itaparica era um lugar estratégico, pois dava acesso aos rios que banhavam as principais vilas do Recôncavo, inclusive a capital rebelde, Cachoeira.
Em 7 de janeiro de 1823, os soldados do Batalhão de Itaparica, sob o comando de Antônio de Sousa Lima, defenderam a ilha do ataque dos portugueses. O sistema de defesa começava no Forte de São Lourenço e seguia com trincheiras montadas em lugares estratégicos — como no Largo da Quitanda, Fonte da Bica, Praia do Convento, além das praias de Amoreiras, Mocambo, Manguinhos e Porto dos Santos.
A participação das pessoas comuns foi crucial para que os brasileiros tivessem sucesso na Batalha.
Na batalha de Itaparica, ganhou destaque a história de Maria Filipa, pescadora que liderou mais de 40 homens e mulheres no incêndio de dezenas de barcos portugueses, uma desvantagem fundamental para a vitória dos brasileiros.
Desfecho do conflito
Depois de tantas derrotas, os portugueses finalmente deixaram o Brasil no dia 2 de julho de 1823. Madeira de Melo, derrotado pela fome, mas sem se render formalmente, embarcou com o que restava de suas tropas de volta a Portugal. Foram centenas de embarcações — militares e mercantes — que levaram milhares de soldados, além de civis que temiam uma vingança generalizada por parte das tropas brasileiras.
Por outro lado, os baianos que haviam permanecido na capital ocupada receberam as tropas do Exército Pacificador com entusiasmo. Esse episódio marcou o fim da Guerra da Bahia e a data ficou conhecida como o dia da Independência da Bahia, pois foi quando os últimos resquícios das tropas portuguesas deixaram o nosso país:
O dois de julho é a verdadeira independência do Brasil porque o grito do Ipiranga não alterou o estado das coisas. Foi na Bahia que houve luta, que se decidiu os destinos do brasil em termos de independência. Ninguém é livre quando tem seu país ocupado por tropas hostis.
COMEMORAÇÕES
Desde a vitória brasileira de 1823, a celebração é repetida todos os anos na mesma data, com o desfile de carros alegóricos.
Essa tradição começou em 1924, quando uma carruagem ou carreta (capturada na Batalha do Pirajá) foi decorada com folhas de café, fumo, cana-de-açúcar e, especialmente, folhas verde-amarelas. Ademais, um velho mestiço foi colocado nela como símbolo vivo da nação brasileira. Assim improvisado, o carro alegórico foi levado da Lapinha, nas imediações da cidade, à maior praça do centro, o Terreiro de Jesus.
Posteriormente, o velho mestiço foi substituído por duas esculturas nas quais são representados uma cabocla e um caboclo matando uma serpente, símbolo da tirania portuguesa. A ideia é que essas duas figuras sejam uma representação simbólica de todo o povo brasileiro, que entre brancos, negros e indígenas, conquistou a verdadeira independência do país.
Com o tempo, os carros alegóricos se tornaram também símbolos de fé e religiosidade, recebendo oferendas (principalmente frutas) como forma de crença profunda na coragem que representam.
Até hoje os carros alegóricos refazem o percurso das tropas patrióticas, em um desfile que começa na frente do pavilhão onde fica o memorial (o qual abriga as carruagens) e vai até o largo de Campo Grande.
No percurso, ganham destaque alguns locais como a Praça da Lapinha (em frente ao Memorial, com ilustrações das personalidades mais importantes da guerra e registro de seus nomes no chão), o Forte de São Pedro (último foco de resistência baiana a cair em Salvador, no conflito a partir do qual a cidade foi ocupada), o Convento da Lapa (onde Joana Angélica foi assassinada), e o próprio Largo do Campo Grande (palco da solenidade oficial na qual acende-se a tocha com o fogo simbólico da liberdade trazido de Cachoeira, primeira cidade do Recôncavo a se declarar independente de Portugal).
Além disso, se destaca a Rua Direita, do bairro Santo Antônio Além do Carmo, onde os moradores enfeitam suas casas, estendem faixas sobre as ruas e reúnem os amigos para celebrar. Aliás, como forma de incentivar a participação da comunidade local na celebração, a prefeitura de Salvador passou a promover concursos, que agraciam as casas mais decoradas com prêmios em dinheiro.
Vale notar também que o 2 de julho se consolidou, desde sua origem, como uma celebração da liberdade e da força popular. Assim, os desfiles que comemoram a data contam sempre com a presença de movimentos sociais e minorias políticas, que se manifestam em prol de suas pautas.
Com tudo isso, a comemoração do 2 de julho na Bahia conquistou o título de segunda maior festa do estado, atrás apenas do carnaval.
VISITA AO MEMORIAL
A visita ao memorial é super didática por si só, pois é um ambiente interativo e que, complementado pela visita guiada, riquíssimo em informações.
Exemplo disso são os telefones ao estilo “orelhão” no andar térreo do memorial, que contam fofocas e histórias do movimento pela independência.
Nesse mesmo andar, tem um painel interativo com o mapa e explicações do circuito do cortejo, além da sinalização de lugares que marcaram a guerra.
Na parede do pavilhão, constam os nomes dos combatentes mais marcantes da guerra, bem como dos locais onde ocorreram as principais batalhas do conflito.
Já na parede ao lado das escadas que sobem para o segundo andar, está registrado o hino do 2 de julho, que desde 2010 é também o hino do estado da Bahia!
No segundo andar, há um painel que explica em detalhes todo o processo histórico que culminou com a independência, além de informações sobre o cortejo que se sucedeu desde então.
Há ainda televisores com pequenos documentários (muito interessantes!) e fotos dos mais diversos cidadãos, tiradas no último cortejo, como lembrete de que essa data é uma comemoração da vitória popular. Vale notar que, entre as fotos, há pequenos espelhos, para que os visitantes também se reconheçam enquanto povo na luta pela liberdade.
A entrada e a visita guiada no memorial são completamente gratuitas e recomendo muito que esse local seja incluído no roteiro de quem vai a Salvador — apesar de pouquíssimo conhecido pelos turistas. Esse memorial é testemunha de uma história que é fonte de força e inspiração para as mais diversas gerações de brasileiros desde 1823, que devem ter no 2 de julho a verdadeira referência de independência deste país.
Espero que você tenha gostado do post e, para qualquer dúvida, estou a disposição por aqui ou pelas outras redes sociais. Não esquece de compartilhar esse post com alguém que também vai achar essa história interessante e, se quiser saber mais, me acompanhe no instagram (@wheresluiza), onde eu posto várias informações e dicas sobre a minha viagem à Bahia e muitas outras!