Palácio Tiradentes — RJ: a construção que conta história
Dos vários lugares históricos que conheci na minha viagem pelo Rio de Janeiro, o Palácio Tiradentes (que hoje é sede da ALERJ — Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) foi um dos que eu mais gostei de visitar! Além de lindo e imponente, também tem muuuito a nos ensinar. Neste post, portanto, registro um pouco do que eu aprendi por lá, com o objetivo de incentivar a visita de outras pessoas a esse local incrível!
O Palácio Tiradentes foi construído em 1922, no contexto do centenário da independência do Brasil. Neste sentido, a construção é elaborada com a proposta de repensar a história brasileira, a partir de um viés independente, descolonizado. Além disso, 1922 também era o ano que o Brasil estava comemorando 100 anos de sua primeira sessão parlamentar, evento significativo para o local, por razões que veremos a seguir. Devido a esses motivos, o Palácio Tiradentes deve ser interpretado como uma construção comemorativa.
Desde que foi construído, o palácio foi sede do Congresso Nacional, quando a capital do Brasil ainda era o Rio de Janeiro. Se manteve assim até 1960, quando Juscelino Kubitschek transferiu a capital para Brasília e o Palácio Tiradentes, por sua vez, passou a ser sede da ALERJ. Perceba, com isso, que o local sempre teve função de parlamento: inicialmente do Brasil, e mais tarde do Estado do Rio.
História na arte e arquitetura
O Palácio Tiradentes, além de ser, por si só, historicamente importante, também o é por sua arquitetura, chamada de historicista ou falante. Isto é, se utiliza de sua arquitetura e arte para contar um pouco da história do Brasil, além de sua função política e social: o palácio “fala” por si próprio.
Pensando nisso, chama muito a atenção a incessante presença de grãos de café na decoração do local, que simboliza o momento histórico de sua construção e a base do poder econômico. Por conseguinte, é fruto da elite brasileira, cafeeira, que deteve domínio até 1930, quando do início da Era Vargas.
Eclética, sua composição resulta da mistura de vários estilos artísticos, com inspiração principal na belle époque parisiense — por isso, inclusive, lembra muito os traços do Theatro Municipal carioca, produto da mesma corrente.
Salão de entrada
Inspirado nos salões parisienses do início do século XIX ao estilo do renascimento italiano, o salão de entrada do Palácio Tiradentes é marcado pelas colunatas de mármore. O chão, por sua vez, é feito de mosaico francês artesanal, encaixado quadradinho por quadradinho!
O nome desse salão é Getúlio Vargas, devido ao busto de bronze fundido do ex-presidente que lá se encontra. Na base do busto, o lema trabalhista de Vargas que norteou as políticas mais impactantes do seu governo: “O trabalho é o maior fator da elevação da dignidade humana”.
Na base da escada central se encontra uma urna muito simbólica. Sua parte de destaque é ocupada pela palavra lex, que significa lei em latim. Isso porque, como antiga câmara federal, o palácio “fala a língua das leis”, sendo esta presente em toda parte. Atrás da inscrição, o símbolo do facho, originário da Roma Antiga, simboliza a união e o poder do povo, enquanto o machado que lhe acompanha simboliza a autoridade sobre a vida e a morte. Isso se deve ao fato de que na antiguidade romana os chamados pretores, que eram os magistrados jurídicos, carregavam esse símbolo que dava a eles a autoridade da magistratura para aplicar o poder da lei. Na década de 1920, ressurge como símbolo do partido fascista, quando Mussolini associa o poder das autoridades romanas ao seu poder político. Aqui, no entanto, o símbolo não representa nenhuma relação com a ascenção fascista na Itália, já que o palácio foi construído anteriormente a esse episódio. O martelo e o facho juntos são, porém, um símbolo político por si só, recuperado tanto por Mussolini quanto peo palácio com o objetivo de legitimação.
A lateral da urna é ornamentada com a figura da República, também originária do mundo romano — fica evidente a forte presença do classisismo na arquitetura do palácio — e resgatada pela Revolução Francesa na tela de Delacroix, “A Liberdade guiando o povo”. É interessante notar que, se nos atentarmos, podemos encontrar a alegoria da república em muitos lugares, inclusive em nosso dinheiro (nas notas de cem reais).
Por fim, a escadaria que leva ao segundo andar é feita de mármore carrara — originário dos alpes italianos e notório por sua brancura — com toques em bronze.
Salão Nobre
Já no segundo andar, merece destaque o Salão Nobre, hoje dedicado a atividades culturais relativas à ALERJ, como exposições, por exemplo. Seu estilo é renascentista, mais uma vez fazendo lembras os salões parisienses.
Os arcos abobadados do teto são decorados por pinturas comemorativas feitas, com a técnica de pontilismo pelo artista carioca Timóteo da Costa. A obra é uma representação da república brasileira, contando com a presença do rosto alegórico da república — chamada na frança de Marianne — em toda parte do salão.
Durante o período que o Rio de Janeiro era capital do Brasil, os presidentes da república tomavam posse no Palácio Tirades e era no salão nobre onde ocorriam os bailes comemorativos desses episódios. Vale lembrar que o primeiro presidente a tomar posse no palácio foi Washington Luís, enquanto Juscelino foi o último (já que depois disso ele transferiu a capital para Brasília). Atualmente, o palácio é palco da posse de governadores e deputados do Rio de Janeiro.
Plenário
A minha parte preferida da visita ao Palácio Tiradentes com certeza foi o Plenário, que me deixou totalmente encantada com sua beleza e grandiosidade!
É um plenário circular, inspirado nos parlamentos da Europa, principalmente no alemão. Isso porque os artistas da época se ancoravam muito nos preceitos europeus e por eles eram fortemente influenciados, o que pode ser claramente percebido em diversos espaços do palácio e de forma especial no plenário. Este foi pensado com o objetivo de expressar uma uma mensagem específica: a exaltação da república — o que é igualmente marcante nos salões comentados acima.
O teto é decorado por paineis, em pontilismo, com a função de contar a história do Brasil, que também se permeia pelo palácio. Através deles são registrados episódios considerados importantes para a historiografia tradicional brasileira, quais sejam: a chegada de Cabral ao Brasil, a catequização dos indígenas, a Batalha dos Guararapes, a colonização, a atuação dos bandeirantes, o Império (representado ali por personagens como D. Pedro I e José Bonifácio), o Tratado de Petrópolis (que definiu as fronteiras do país) com a presença do Barão do Rio Branco, e finalmente a República (onde são retradas personalidades como Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant, Prudente de Morais, Floriano Peixoto e a já citada Marianne). Toda essa história grandiosa é coroada pela cúpula, que supostamente registra a posição das estrelas no céu do Rio de Janeiro no dia 15 de novembro de 1889, data da proclamação da república.
No coração do plenário, por sua vez, se encontra uma tela do artista Eliseu Visconti representando a primeira constituinte republicana, ocorrida em 1891. O episódio foi liderado por Prudente de Morais, presidente do congresso à época. No quadro também estão presente Floriano Peixoto, Rodrigues Alves e Rui Barbosa, figuras que tiveram grande importância política para aquele período.
Todas as terças, quartas e quintas ocorrem ali sessões plenárias abertas ao público. Nos telões é registrada a presença dos deputados estaduais, que totalizam 70.
Localização histórica
A localização atual do Palácio Tiradentes também é muito simbólica: não é a toa que ele se encontra naquele local específico e existem várias razões para isso.
A primeira delas se relaciona com o fato de que, antes do palácio ser construído, ali funcionava (de 1830 até 1922, quando foi demolido para dar espaço àquele) a Casa de Câmara e Cadeia, comumente conhecida como cadeia velha. Era uma construção dividida em dois andares, sendo que no primeiro funcionava a cadeia pública e, no segundo, por sua vez, a câmara legislativa do Rio de Janeiro na época. Assim, no mesmo lugar estabalecia-se quem escrevia as leis e quem as desobedecia. Isso porque, no século XVII, o Rio era uma cidade portuguesa e, por isso, seguia os padrões arquitetônicos, políticos e administrativos de Portugal. Funcionou ali o parlamento do período colonial, de todo o período imperial e do início da república. Portanto, o Palácio Tiradentes hoje se encontra em um local já há séculos marcado pela continuidade do poder parlamentar brasileiro.
Além disso, o palácio se encontra muito próximo à Praça XV de Novembro, a qual foi, por séculos, a principal entrada do Rio de Janeiro (via marítima) e que, por isso, sempre foi palco de muito comércio, comemorações, encontros e assim por diante. Por isso, a antiga Casa de Câmara e Cadeia, que depois veio a ser substituída pela construção do Palácio Tiradentes, se encontrava num local fundamental para a história do Rio no âmbito social, urbanístico e político.
Por fim, o endereço do atual palácio é marcado também por ter sido o local onde ficou preso Tiradentes, quando ainda funcionava ali a cadeia. Ele foi preso devido à sua participação — e protagonismo — no movimento conhecido como Conjuração ou Inconfidência Mineira, originária da cidade de Ouro Preto (antigamente chamada de Villa Rica), em Minas Gerais. Os inconfidentes foram levados para o Rio de Janeiro para serem julgados e Tiradentes, o mais pobre entre eles, foi o único condenado à morte, enquanto os outros foram exilados. A praça carioca que hoje leva seu nome foi o local onde ocorreu sua execução por enforcamento. Em seguida, por ordem da rainha portuguesa, teve seu corpo esquartejado e cada parte jogada em cada uma das cidades mais populosas entre Rio de Janeiro e Minas Gerais. Sua cabeça, simbolicamente, foi pendurada na antiga Villa Rica, cidade-natal do movimento. Por muito tempo sua imagem fica esquecida na história, sendo recuperada apenas com a proclamação da república e a consequente busca por um heroi nacional, não por acaso associando-lhe à imagem de Cristo. Nesse contexto é que o nome do palácio, construído no contexto de exaltação da república, é batizado em homenagem a Tiradentes.
Episódios de destaque
O Palácio Tiradentes foi palco de inúmeros episódios marcantes para a história do Brasil, dada a sua importância política para o país. Um desses episódios foi o debate e aprovação da Constituição Federal de 1934, sob o governo de Getúlio Vargas, que traz como uma de suas novidades o voto feminino, tornando o Brasil um dos primeiros países do mundo a ter essa garantia.
Já no período do Estado Novo, Getúlio Vargas fecha o congresso — cuja sede era o Palácio Tiradentes — e, durante esse período, passa a funcionar no palácio o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), órgão criado pelo próprio presidente com o objetivo de fazer propaganda de seu regime e censurar ideias adversas.
Já em 1946, o Palácio Tiradentes foi sede da primeira Constituinte após o Estado Novo, episódio de extrema significância para o país. Na época, uma das bancadas protagonistas para o ressurgimento da democracia foi a do PCB, que inclusive tinha como um de seus integrantes o brilhante escritor bahiano Jorge Amado, deputado pelo partido. A título de curiosidade, vale dizer que foi ele quem escreveu a emenda constitucional que garantiu a todos os brasileiros a liberdade de culto religioso!
Em resumo, só tenho elogios para a visita ao Palácio Tiradentes e posso dizer com toda a certeza que aprendi muito! Ao conhecer o palácio, hoje sede da ALERJ, fica evidente que aprender sobre a história do Rio de Janeiro é, em grande medida, também aprender sobre a história do Brasil, tendo am vista a grande influência desse estado para a política nacional.
Importantíssimo dizer, por fim, que tudo que aprendi no Palácio Tiradentes e que registrei neste post foi o guia Douglas que me ensinou. Ele faz visitas guiadas no local e seu trabalho é impressionante: ele sabe muuuuito e dá uma verdadeira aula de história aos visitantes! A visita guiada é sem hora marcada e gratuita, assim como a entrada no palácio (ou seja, não tem motivo pra perder). Recomendo totalmente!
Espero que você tenha gostado do post e, para qualquer dúvida, estou a disposição por aqui ou pelas outras redes sociais. Se quiser mais dicas, me acompanhe no instagram (@wheresluiza), onde eu posto várias informações e dicas sobre a minha viagem ao Rio de Janeiro e muitas outras!