Prisioneiras — Dráuzio Varella | RESENHA
Esse foi um dos livros que mais me impactou na vida. É aquele tipo de livro que a gente tem que fazer pausas na leitura pra digerir o que acabamos de ler e nos prepararmos pra continuar. Dráuzio tem o dom de nos tirar da zona de conforto e, principalmente, de nos fazer colocarmo-nos no lugar de outras pessoas a partir da compreensão da realidade alheia.
Dráuzio relata, assim como em Estação Carandiru, sua experiência enquanto médico voluntário de um presídio. Desta vez, porém, se trata de um presídio feminino, com todas as suas peculiaridades e diferenças cotidianas em relação ao presídio masculino. Além disso, uma grande diferença é a atualidade de Prisioneiras, publicado em 2017 e, portanto, trazendo questões muito recentes.
A primeira diferença destacável é a solidão que assombra os presídios femininos. Enquanto as filas dos presídios masculinos são enormes, as mulheres viram motivo de vergonha e são completamente abandonadas quando presas, até mesmo pela família e pelo namorado ou marido, muitas vezes os culpados pelo crime. São muitas as mulheres presas nas portarias dos presídios masculinos, tentando levar droga para que seus respectivos namorados possam pagar dívidas. Aquelas que não obedecem ou abandonam o namorado na prisão são vítimas de ameaça de morte do lado de fora.
Por consequência, a carência afetiva e a distância, dentro da prisão, de olhares repressivos, criam um ambiente que possibilita os relacionamentos homossexuais, amplamente adotados.
“A cela com duas mulheres casadas uma com a outra é a unidade funcional dos presídios femininos a partir da qual as relações comunitárias se consolidam. Sem levar em consideração esse fenômeno, impossível fazer ideia do que se passa na cadeia.”
Outra diferença expressiva em relação à obra Estação Carandiru é a presença, em Prisioneiras, da atuação das facções, em especial o PCC (Primeiro Comando da Capital), fundado logo após a implosão do Carandiru a fim de combater a opressão dentro do sistema prisional paulista. Por conta disso, a nova organização dos presídios se dá de forma tal que qualquer tipo de conflito é evitado — e com isso a violência — , já que o maior anseio de quem está encarcerado não é a liberdade, como muitos pensam, mas simplesmente se manter vivo.
Consequentemente, a leitura de Prisioneiras não é tão bárbara, sanguinária e violenta quanto a de Estação Carandiru, mas o impacto emocional atinge o mesmo nível a partir dos inúmeros estupros relatados pelas prisioneiras. Desde familiares abusadores até estupros coletivos, é uma leitura angustiante, triste e, acima de tudo, que nos impacta a partir do momento que, nós, mulheres, nos identificamos e nos colocamos no lugar das vítimas.
Estes são só alguns dos diversos temas urgentes discutidos e expostos em Prisioneiras. Mais uma vez, Dráuzio Varella me encantou com sua escrita impecável e humana, em uma obra que nos desacomoda, perturba e inquieta; que nos faz pensar fora da nossa realidade privilegiada.