Raízes do Brasil — Sérgio Buarque de Holanda | RESENHA

Luíza Cipriani
4 min readMar 26, 2020

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Entre um dos mais importantes livros brasileiros se encontra Raízes do Brasil, do brilhante Sérgio Buarque de Holanda, publicado em 1936. Com essa obra, de forma especial, Holanda se inseriu entre os chamados “intérpretes clássicos do Brasil”, ao lado de outros autores como Gilberto Freyre e Raymundo Faoro. Diante disso, não é de se espantar que, ao tentar encontrar os fatores que fazem do nosso país ter as configurações contemporâneas, Raízes do Brasil se tornou leitura indispensável para quem quer entender melhor a nossa história, cultura e estrutura social.

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Em sua obra prima, Holanda se propõe a estudar, principalmente, as determinantes psicológicas que marcaram o domínio português no nosso país e que se perpetuaram em nossa cultura até a contemporaneidade — mais especificamente à época que o livro foi escrito, mas que se mantém, na minha visão, até os dias de hoje.

A argumentação se constroi de forma impressionante, com uma escrita muito rica e cheia de metáforas. Neste contexto, Sérgio conduz a obra através de várias características da personalidade brasileira que são heranças do período de colônia, culminando com a sua teoria do “homem cordial”, pela qual ganhou destaque.

Para melhor compreender esta argumentação, faz-se necessário remontar às teorias do alemão Max Weber, quem por primeiro trouxe à tona a oposição entre um Estado burocrático — ligado ao Estado liberal moderno, tendo a racionalidade e a impessoalidade como princípios básicos, os quais possibilitam a efetivação da igualdade formal — e o patrimonialismo. Este, o autor define como a ausência de distinção entre o que é público o que é privado e, em decorrência, um Estado por ele marcado tem seus componentes escolhidos por relações pessoais.

Muito inspirado por Weber, Sérgio Buarque de Holanda (e, posteriormente, Raymundo Faoro), aplicou as teorias do autor alemão ao contexto brasileiro para defender que, aqui, nossas instituições não são burocráticas, mas sim patrimonialistas, portanto baseadas em critérios pessoais.

Segundo Holanda, esta conjuntura se dá, primeiramente, pela extensão do patriarcalismo — característica marcante das relações privadas entre os senhores, sua família e seus escravos no âmbito rural — para a esfera pública. Isso, aliado ao patrimonialismo já mencionado, dá origem às configurações de personalidade de quem Sérgio chamou de homem cordial. Sobre tal, afirma Couto:

“O homem cordial, tal como a acepção de Sérgio Buarque de Holanda, não deve ser compreendido segundo significados dicionarizáveis para o adjetivo “cordial”, mas de acordo com novas inscrições semânticas que o autor atribui a esse termo. Longe de ser o homem afável e sincero, o homem cordial assim o é porque suas escolhas políticas são relativas muito mais ao coração do que à racionalidade. O coração, aqui, simboliza os sentimentos, a subjetividade — medida fortemente utilizada pelos homens de Estado, do período colonial ao republicano, para tratar de assuntos políticos. No Brasil, desde as suas origens, a política sempre foi a arte executada por indivíduos que muito pouco souberam diferenciar a gestão de uma família — caracterizada pelas relações de afinidade e intimidade — da gestão da coisa pública, exercício que em tempos modernos exigiu uma alta burocratização e objetividade. […] A cordialidade é a característica das relações de poder firmadas por homens que não distiguem os domínios do privado e do público.”*

O autor defende, portanto, que as determinantes psicológicas portuguesas por ele elencadas, aliadas à herança do sistema rural, resultam na transposição, por parte do homem cordial, do modo que gere seus negócios privados e sua família para a esfera pública. Assim, a passionalidade substitui a racionalidade indispensável para a constituição de um Estado burocrático, seguindo-se daí graves desequilíbrios (a exemplo da corrupção, fruto do desrespeito às leis e à impessoalidade).

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Diante disso, Sérgio Buarque de Holanda conclui Raízes do Brasil com um convite ao rompimento dessa herança colonial sobre a qual descorre em sua obra, de forma a buscarmos uma superação de características deixadas por ela que nos impedem de atingir uma sociedade mais igualitária e justa, por consequência da impessoalidade nas relações de poder. O que Raízes do Brasil propõe, portanto, é a busca por uma identidade originalmente brasileira, descolonizada e adequada à realidade atual do nosso país.

Posteriormente, vale dizer, a teoria do homem cordial de Holanda vem a ser objeto de crítica de outros autores como Jessé Souza, mas isso é tema para outro dia. Por hoje, fico por aqui! Espero que você tenha gostado do post e até a próxima!

*COUTO, Elvis Paulo. As Raízes do Patrimonialismo de Estado no Brasil. Revista Habitus: Revista da Graduação em Ciências Sociais do IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 100–112, 10 de nov. 2016.

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