ROTA DO CANGAÇO — uma visita ao sertão de Lampião e seu bando!

Luíza Cipriani
9 min readJan 11, 2022

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Nas últimas férias decidi conhecer Sergipe e Alagoas e um dos passeios (se não o) mais interessantes que fiz foi sem dúvidas a Rota do Cangaço! Este passeio tem como destino final a Grota do Angico, palco do massacre que matou Lampião, Maria Bonita e mais 9 cangaceiros.

No caminho, a excelente guia que nos acompanhou foi contando várias histórias e compartilhando inúmeros conhecimentos sobre o cangaço e, em específico, com o episódio ali ocorrido. No post de hoje, registro um pouco do que aprendi lá com vocês!

O CANGAÇO

Antes de tudo, é importante lembrar que o cangaço surgiu entre o século XVIII e XIX com José Gomes, vulgo Cabeleira, e não com Lampião, apesar de ter ganhado mais fama com a entrada deste. A motivação do movimento, porém, sempre foi a mesma: fazer justiça com as próprias mãos contra o sistema coronelista dominante no sertão, que desapropriava os sertanejos e os deixava sem outra escolha além de se tornarem praticamente escravos de mão de obra. Aqueles que recusassem se submeter a tais condições eram “colocados para correr” e perseguidos.

A família de Lampião foi uma das que passou por isso. Tiveram que deixar seu pequeno pedaço de terra em Vila Bela, Pernambuco (atual Serra Talhada) e passaram a ser perseguidos, o que resultou na morte dos pais de Virgulino. O assassinato ocorreu por ordem de um coronel pernambucano, também de Vila Bela, e foi executado por um chefe de polícia alagoana. Depois disso, Lampião jurou vingança até a morte, motivo pelo qual afirmou ter entrado no cangaço, em 1920. Já em 1921, assume a liderança do grupo. Uma curiosidade é que, em 1925, Lampião levou um tiro no pé em um confronto com a polícia e, tentando fugir assim, tropeçou e caiu com o rosto num cacto chamado quipá, perdendo a visão do olho direito.

Maria Bonita, por sua vez, só recebeu esse nome após a morte. Antes disso, era Maria de Déa, casada de forma arranjada pelos pais com um sapateiro. As separações eram constantes e, em uma dessas ocasiões, Maria conheceu Lampião, então de passagem pela cidade. Depois disso, Lampião voltou diversas vezes à cidade de Maria para lhe visitar, até que ela se ofereceu para integrar o movimento com seu amado — ao contrário de outras mulheres que, posteriormente, entrariam no movimento de forma forçada, a exemplo de Dadá, estuprada por Corisco aos 12 anos. Mediante a resposta positiva de Virgulino, em 1930 Maria de Déa deixou o marido e a família para ser a primeira mulher a entrar no cangaço. Depois dela, outras mulheres também passaram a integrar o grupo.

Entre tantas outras personalidades cangaceiras que merecem destaque, registro aqui a importância histórica de Benjamin Abraão, que entrou no cangaço em 1936 e foi o único fotógrafo a fazer parte do grupo. Com ele, a realidade do Cangaço mudou, pois até então qualquer um podia ser Lampião, já que não se conhecia exatamente a sua fisionomia — ao menos, não de forma popularizada. Depois de Benjamin fotografar o grupo e divulgá-lo em diversos jornais — inclusive internacionais! — , porém, acabou facilitando para que a polícia pudesse identificar Lampião e seu bando. Deve-se ressaltar, por outro lado, a extrema importância de seu trabalho para registro histórico do movimento e de seus integrantes.

Ao longo dos muitos anos dos quais Lampião fez parte do Cangaço, merece ser lembrada a ocasião que tentou atacar a cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Em 1927, chegou aos ouvidos das autoridades de Mossoró que o bando de Lampião estava chegando para atacar e saquear a cidade. Assim, desamparados da proteção da polícia estadual, o prefeito da cidade convocou os cidadãos para se organizarem e se defenderem de Lampião, que acabou, de fato, sendo recebido por uma chuva de balas. Nesse episódio, inclusive, Lampião perdeu um de seus cangaceiros, Jararaca, que foi preso, torturado, baleado, obrigado pela população a cavar sua própria cova e, por fim, enterrado vivo! Até o dia em que Mossoró se defendeu de Lampião é lembrado anualmente na cidade, com muito orgulho por parte da população.

O MASSACRE DE ANGICO

Finalmente, chegamos ao episódio fatal na Grota do Angico. Grota, aliás, é uma cavidade esculpida por um córrego, depois de passar durante muitos anos por um mesmo local. Em 1938, quando Lampião e seu grupo foram assassinados, um córrego que hoje já secou corria pela Fazenda do Angico, permeando uma grota e formando bancos de areia onde o grupo de cangaceiros posicionou suas barracas. Ao olhar de Lampião, aquele era um lugar adequado para se esconder dos macacos (como chamavam as tropas policiais).

Isso porque, além daquela localização estratégica, Lampião contava também com a proteção do interventor (função similar à que entendemos hoje como governador) Eronides de Carvalho (então “governador” do estado do Sergipe), que o protegia em troca de proteção. Além dele, tinha ao seu lado também Pedro de Cândido e a família Felix, proprietários daquelas terras. Por isso tudo, achou que não tinha razões para se preocupar e se sentiu extremamente seguro, o que acabou por lhe fazer tomar decisões nunca antes tomadas que lhe foram fatais.

Quando Lampião chegou na Grota de Angico, mandou Pedro até a feira da cidade alagoana de Piranhas para fazer uma compra a seu mando. A compra em grande quantidade chamou atenção da população. Em meio a isso, Joca Bernardes, que era inimigo de Pedro por causa de mulher, o viu fazendo a vultuosa compra e foi até o tenente João Bezerra. A este, sugeriu seguir Pedro, pois desconfiava que ele saberia o paradeiro de Lampião. O tentente Bezerra, engenhoso, deixou Pedro a vontade e espalhou um boato falso: que a população de Piranhas não tinha razão para se preocupar, pois Lampião e seu bando estavam ainda em Canapi (outra cidade do Alagoas) e que a polícia estava indo para lá atrás deles.

Pedro levou esta informação até Lampião que, com isso, baixou guarda. Liberou seus sentinelas (o que nunca fazia!) e começou a festejar com seu grupo, mediante a certeza de estar em um local seguro e confortável.

Quando Pedro voltava para a cidade, no entanto, o capturaram e torturaram: arrancaram quase todas as suas unhas das mãos e dos pés com bico de punhal. Para cada pergunta relacionada a Lampião que ele não respondia, uma unha era arrancada. Além de sofrer tortura física, Pedro também foi ameaçado psicologicamente de que incendiariam sua casa com sua família dentro se ele não dissesse a localização de Lampião. Foi aí que ele não resistiu e disse que na fazenda do Angico seu irmão Durval poderia dar-lhes mais informações. Chegando na fazenda, Durval, então com 15 anos de idade, foi torturado da mesma forma até levar os policiais ao local exato do acampamento.

A polícia chegou nos arredores do acampamento por volta de 22:00 do dia 27 de julho de 1938, mas só abriu fogo na manhã do dia seguinte, por volta das 5:00, enquanto muitos cangaceiros ainda dormiam. A volante de João Bezerra, nessa ocasião, era composta por 48 policiais fortemente armados, inclusive com metralhadoras. Na grota, por sua vez, se encontravam ao total 35 cangaceiros, dos quais 24 conseguiram fugir por um dos lados, que ficou desprotegido. Os outros 11, que não tiveram a mesma sorte, acabaram sendo mortos e decapitados na chacina que durou apenas cerca de 20 minutos.

Lampião foi um dos primeiros a morrer, atingido por um tiro na cabeça. Logo em seguida, Maria Bonita levou 2 tiros, mas continou consciente, apesar de imobilizada. Por ser a única que restou viva ao final do ataque, foi a primeira a ser decapitada, ainda consciente! Na sequência, todos os outros também foram decapitados, já que suas cabeças valiam recompensa para o governo de Alagoas. Hoje, simples cruzes marcam o local que ocorreu o massacre.

As 11 cabeças foram levadas pelos policiais, como prova de que tinham matado o rei do cangaço e seu bando. Primeiramente, ficaram expostas na escadaria do palácio Dom Pedro II, onde hoje funciona a prefeitura municipal de Piranhas. Depois disso, percorreram várias outras cidades do nordeste até chegarem no IML de Salvador. Lá, foram objeto de estudo por cerca de 30 anos e somente em 1969 foram liberadas para serem enterradas. Em 2012, Expedita, a única filha registrada de Lampião e Maria Bonita, conseguiu recuperar os crânios dos pais e os levou para Aracaju, capital sergipana, mas por segurança não divulga como as mantém.

Fonte: UOL

Já quanto aos corpos, até hoje nada foi encontrado ou relatado com certeza. Uma das hipóteses é que a chuva tenha os levado pelo córrego até desembocarem no Rio São Francisco.

É de se registrar, ainda, que quando Corisco soube de tudo que tinha acontecido, perguntou a Joca Bernardes quem tinha entregue seu capitão. Joca, para se livrar da culpa, acusou um homem chamado Domingues Ventura, que não tinha nada a ver com a história mas acabou “pagando o pato”. Corisco foi até sua fazenda e matou quase toda a sua família, deixando apenas uma criança viva, a pedido de Dadá. Não satisfeito, pegou as cabeças decapitadas (seguindo a máxima do “olho por olho, dente por dente”), colocou-as dentro de um cesto e enviou a João Bezerra com um bilhete que, pela ousadia, fez com que passasse a ser ainda mais perseguido. No bilhete, escreveu Corisco:

Tenente João Bezerra, eis as cabeças para vingar a morte do meu capitão. Faça delas uma grande buchada, senta e coma. Assinado: eu, Corisco, mais conhecido como vulgo Diabo Loiro.

Enfim, cabe dizer que o cangaço, até hoje é uma cultura cuja história não se pode deixar morrer, devendo ser passada de geração em geração para que se entenda o que foi este movimento, inserido em um contexto e em uma época na qual os sertanejos se sentiam injustiçados e viam no grupo de Lampião uma oportunidade de escape e resistência. Apesar da importância no cenário histórico, político e cultural do nordeste, vale lembrar que nada justifica ou ameniza todas as inaceitáveis violências e atrocidades cometidas pelo bando.

Ainda assim, recomendo muito a visita a este local, com a qual tanto aprendi, para quem tiver interesse em conhecer mais de perto este episódio tão marcante para a história do nordeste e de nosso país!

SOBRE A VISITA

O passeio da Rota do Cangaço sai do centro da cidade de Piranhas. De lá, um catamarã leva os visitantes até um local chamado Cangaço Eco Park (antiga Fazenda do Angico), já pertencente à cidade sergipana de Poço Redondo. Lá, aos visitantes é oferecida a oportunidade de apenas ficar relaxando no espaço que o parque oferece ou fazer a chamada “trilha do cangaço”, que é paga a parte (R$10,00) e tem como destino final a Grota do Angico.

Para a trilha, recomendo levar repelente, protetor solar e ir de tênis! No total (ida+volta), são 3,2km de caminhada, mas bem tranquila. Uma dica importante é escolher, se possível, o primeiro horário oferecido para fazer a trilha (10:00), porque o outro (12:00) é quente demais!

No próprio parque é oferecida opção de almoço a la carte, que deve ser encomendado antes da saída para a trilha.

O valor do passeio, que inclui o ingresso do catamarã e a entrada do parque custou R$80,00 por pessoa (preços de fevereiro de 2020). Contratei direto com a pousada que eu estava hospedada.

Espero que você tenha gostado do post e, para qualquer dúvida, estou a disposição por aqui ou pelas outras redes sociais. Se quiser saber mais, me acompanhe no instagram (@wheresluiza), onde eu posto várias informações e dicas sobre a minha viagem ao Sergipe e Alagoas e muitas outras!

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Written by Luíza Cipriani

Viagens, livros e outras coisas mais. // 24, Florianópolis

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