Teatro Amazonas: o tesouro brasileiro que todo mundo deveria conhecer
O Teatro Amazonas é o principal ponto turístico de Manaus e a maior herança do ciclo da borracha, em cujo auge foi construído. Recomendo muito pra quem for a Manaus que faça a visita guiada no teatro, para entender o contexto e as curiosidades dessa construção tão importante pra história do Brasil, em especial pra região Norte.
O lucro vindo da exploração do látex nos seringais amazônicos deu origem a uma nova elite, dos barões da borracha, que pela forte influência francesa na região, queriam se divertir, se vestir e imitar os hábitos franceses. Exemplo disso é que várias ruas existentes hoje em Manaus (como a Av. Getúlio Vargas ou a rua Eduardo Ribeiro) eram braços de rios que foram aterrados, já que os franceses não gostavam de seus rios e, portanto, a nova elite de Manaus também não. Por isso, também, várias casas no centro histórico de Manaus foram construídas de costas para o rio.
Nesse contexto, os barões sentiram a “necessidade” da existência de um teatro para que pudessem frequentar e se divertir, a exemplo dos costumes da elite francesa. Assim se inicia a construção do Teatro Amazonas.
A obra já tinha começado anteriormente, mas tinha sido abandonada, sendo retomada oficialmente em 1884. O governo responsável por efetuar a construção do teatro foi o de Eduardo Ribeiro, o primeiro governador negro do Brasil e que foi muito importante para a história de Manaus. O teatro levou 12 anos para ficar pronto (em 1896), demorando todo esse tempo principamente por causa de questões logísticas, já que praticamente todos os materiais encontrados no Teatro Amazonas vieram da Europa: ferros da Escócia, mámores da Itália e veludos da França… as únicas exceções são as madeiras, que são frutos da mão-de-obra de indígenas e ribeirinhos encontrados na capital.
Salão de espetáculos
O salão de espetáculos do Teatro Amazonas foi pintado e decorado por Crispim do Amaral, que só teve autorização para fazer isso porque passou muitos anos estudando artes na França. Ele fez o salão em forma de lira (semelhante a uma ferradura de cavalo), o que faz com que a acústica do teatro seja uma das melhores do país.
Além disso, Crispim do Amaral fez 22 colunas decoradas com máscaras gregas (que nao se sabe se estão rindo ou chorando) e com nomes de personalidades importantes para as artes. Entre os nomes pintados nas coluns estão Beethoven, Mozart, Wagner, e dois únicos brasileiros, nas colunas de entrada e saída: Martins Pena e Antônio José, comediógrafos muito importantes naquela época.
O teatro Amazonas tem capacidade de 701 lugares, mas apenas 689 para o público em geral. Os outros 12 lugares são para o governador e seus convidados, e esse espaço só é aberto quando ele está na casa, mantendo a tradição dos tempos antigos. No camarote do governador e seus convidados, as cortinas ficam abertas para homenagear o brasão da república que há ao centro.
Outra homenagem a este contexto de fim de monarquia e início de república é o pano de boca, que fica perto do palco. Nele, Crispim do Amaral pintou o símbolo da monarquia em meio a cortinas se fechando, para simbolizar que o show da monarquia estava acabando e a república estava chegando. O pano tem 15 metros e conta com uma pequena camada de gesso que faz com que o pano não possa ser dobrado. Por causa disso, no início e no fim dos espetáculos o pano sobe e desce esticado para o terraço.
Naquela época, o teatro funcionava como uma “vitrine social”, ou seja, a segunda coisa que os barões queriam fazer ao ir ao teatro era assistir aos espetáculos…a primeira era mostrar aos outros que eles tinham dinheiro e poder. Assim, os lugares no teatro eram vendidos de acordo com as condições financeiras de cada um, ficando os “menos ricos” em frente ao palco e os mais ricos nos camarotes.
Os dois camarotes ao lado do palco eram os mais valiosos, por causa de sua posição que possibilitava que todo o resto do teatro visse quem estava ali. Por isso, esses camarotes não eram vendidos na bilheteria, como os outros, mas leiloados cerca de 15 minutos antes das apresentações. Hoje, ele é vendido somente quando a casa está muito cheia, a 5 reais os ingressos inteiros e 2,50 os ingressos de estudantes ou professores, já que a visão de lá é péssima, pois só se consegue ver a parte lateral do espetáculo. Antigamente, porém, a intenção de quem estava nestes camarotes não era ver, mas ser visto.
Teto do Salão de Espetáculos
O teto do salão de espetáculos é uma atração por si só, de tão lindo! Nele, há 4 pinturas importantes: a tragédia, a dança, a música e a ópera, esta última formada pelo conjunto das três. A ópera representa anjos coroando o busto de Carlos Gomes, a primeira pessoa a compor uma ópera brasileira, “O Guarani”. Esta obra era para ser a primeira apresentação a acontecer no teatro, no dia 31 de dezembro de 1896. Infelizmente, Carlos Gomes faleceu dois meses antes da apresentação. Portanto, a primeira apresentação ocorrida no teatro foi no dia 7 de janeiro de 1897, por uma companhia italiana chamada Gioconda. Em homenagem a esse feito, o atual café do Teatro Amazonas se chama La Gioconda.
No teto ainda estão pintadas quatro colunas, que muitos dizem ser a base da Torre Eiffel, como se ela estivesse em cima de quem está no teatro. Além disso, também está pintado o ano de inauguração do teatro (1896), o nome de Eduardo Ribeiro e a sigla “TA”, de Teatro Amazonas.
Salão Nobre
Era no Salão Nobre do teatro que os barões costumavam ir para fofocar, beber e discutir questões de negócios e política. Para entrar, era necessário que se cuspisse nas escarradeiras: se saísse sangue, entendia-se que a pessoa estava com tuberculose e por isso era proibida de entrar no Salão Nobre. Depois de entrar, os nobres falavam apenas em francês, que na época era a segunda língua mais falada em Manaus e era conhecida como “a língua dos negócios”.
O Salão Nobre foi pintado e decorado por Domenico de Angelis, um extrangeiro que veio poucas vezes para o Brasil mas tentou representar a fauna e a flora da Amazônia em seu trabalho no teatro. Por isso, alguns aspectos da pintura não são condizentes, a exemplo de montanhas e esquilos.
A pintura no teto do salão homenageia a arquitetura, a dança e a música. No centro, há Vitória, uma mulher de braços abertos e vestido amarelo. Vitória foi pintada com a técnica da perspectiva – assim como a Monalisa –, o que faz parecer com que seu olhar nos acompanhe de onde quer que a olhemos. Antigamente, quem frequentava o Salão não conhecia esta técnica, e por isso achavam que o Salão Nobre era assombrado!
O chão do Salão Nobre é a parte mais original do Teatro Amazonas, composto por 12 mil peças de madeira colocadas com uma técnica chamada “marchetaria”, que consiste em não usar pregos ou cola, fazendo com que as madeiras se mantenham posicionadas pelo encaixe perfeito entre as peças.
As colunas são feitas em um formato que tenta ilusionar os troncos das árvores, enquanto os lustres remetem à copa das árvores amazônicas.
A maior pintura do salão foi feita por Carlos Gomes e inspirada na obra “O Guarani”, de José de Alencar. A pintura representa o índio Peri salvando Ceci do incêndio de sua casa.
Cúpula
No terceiro pavimento do teatro há estruturas de ferros que sustentam a cúpula e que fazem com que apenas seja possível retirá-la se também se retirar toda a parte laterar do teatro. Hoje o teatro é conhecido pela singularidade trazida pela cúpula, composta pelas cores da república, na parte de baixo, em homenagem ao Brasil; por vidros trazidos da França e em sua homenagem; e, na parte de cima, por uma homenagem à bandeira do Amazonas. A cúpula foi feita em uma forma de mosaico que representa as escamas do Pirarucu, peixe típico da Amazônia. Além disso, o teatro mantém a tradição antiga: quando a cúpula está acesa, significa que está ocorrendo alguma apresentação no teatro.
Outras curiosidades
- No museu está exposta uma maquete do Teatro Amazonas feita com 30 mil peças de lego! Chama atenção o fato de que a cor do teatro na maquete não corresponde com a cor atual, e a guia nos explicou que isso se dá porque a maquete foi feita na época da ditura militar. Nessa mesma época, os militares ordenaram que todo o teatro (por dentro e por fora) fosse pintado de cinza, a cor do militarismo. Por isso, todas as paredes internas também foram pintadas de cinza, encobrindo a as pinturas feitas à mão livre por Crispim de Amaral, encontradas na reforma de 1990. Hoje, só podemos ver pequenos pedaços da belíssima arte feita por Crispim do Amaral através de vidros colocados em pequenas partes das paredes. Vale registrar, também, que a atual tinta usada para pintar o lado externo do teatro é patenteada e exclusiva.
- No teatro há duas pequenas salas onde, antigamente, os nobres costumavam se reunir. Uma sala (a maior e mais fresca) era onde ficavam os homens, enquanto na sala menor e quente ficavam as mulheres. Enquanto as mulheres passavam calor, eram também traídas por seus maridos, que contratavam prostitutas nesta sala para os “entreter”.
- O “mezanino dos músicos” era onde ficavam os músicos que não tinham permissão para ficar no palco principal, então ficavam no calor e no escuro, tocando para parecer música ambiente para os barões.
- Antigamente, o Teatro Amazonas não recebia espetáculos no verão amazonense porque as baronesas com seus vestidos enormes e os barões com seus ternos não suportavam o calor, já que a única forma de ventilação naquela época era a natural, pelas portas e janelas. O ar condicionado foi instalado na reforma de 1974, quando as cadeiras originais, de palha indiana, tiveram que ser substituídas por cadeiras de veludo porque a palha resseca com o ar frio. As cadeiras antigas são mantidas em exposição no acervo do teatro.
- Além das cadeiras originais, também fazem parte do acervo algumas roupas usadas na época, um camarim, e bustos de personalidades importantes para a história do teatro, como José de Alencar e Carlos Gomes.
- As madeiras no chão dos pavimentos superiores são de dois tipos: acapuia e pau amarelo, sendo a primeira mais escura e a segunda mais clara. Segundo a guia, as duas madeiras utilizadas representam o Rio Negro e o Solimões, que, assim como as madeiras, têm tonalidades diferentes.
Enfim, o Teatro Amazonas é o principal ponto turístico de Manaus e é indispensável a visita para quem for conhecer a cidade. É uma construção muito linda, com curiosidades e características muito interessantes, mas também é importante nos lembrarmos de toda o contexto de exploração de que ele é fruto. Durante o ciclo da borracha, os barões só puderam gozar de todos esses luxos e hábitos “à moda francesa” porque ganhavam dinheiro a partir da exploração dos seringueiros, que trabalhavam em um verdadeiro sistema de escravidão. É essencial que, apesar de reconhecermos a beleza e importância do Teatro Amazonas, tenhamos também noção do contraste social que ele representava.
Informações sobre a visita guiada
Valor: R$ 20,00 o ingresso inteiro, R$ 10,00 o meio (para estudantes, professores e pessoas com mais de 60 anos).
Grátis para os amazonenses, com apresentação de documento que comprove o nascimento no Estado.
A visita guiada dura cerca de 1 hora e acontece todos os dias, das 9 às 14h.