Visita ao campo de concentração e extermínio de Auschwitz-Birkenau — Polônia

Luíza Cipriani
9 min readMar 29, 2024

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Este post é sobre a minha visita e o que eu aprendi no campo de concentração e extermínio de Auschwitz, onde aconteceu o maior genocídio da história da humanidade. Apesar da delicadeza do assunto, decidi fazer este relato porque o objetivo do memorial é justamente divulgar para o maior número de pessoas possível o que aconteceu naquele lugar — aliás, uma das preocupações das vítimas, pra além de sobreviver, era também provar e registrar o que sofreram lá.

A visita começa com a passagem em silêncio por um corredor no qual ouve-se nomes de pessoas mortas no campo. Isso porque os nazistas fizeram de tudo pra tirar toda a individualidade de quem foi pra lá, reduzindo os prisioneiros a números — aliás, uma curiosidade é que só Auschwitz numerava seus prisioneiros através daquelas famosas tatuagens. Portanto, a ideia dessa visita é fazer exatamente o contrário, lembrando-nos a todo momento que cada uma das vítimas era uma pessoa com nome, história, família e sonhos interrompidos.

Depois a gente passa pelo portal de entrada oficial do campo, com o clássico slogan nazista “Arbeit macht frei”, que em alemão significa “o trabalho liberta”. Essa frase tinha a intenção de proporcionar aos prisioneiros a ideia mentirosa de que se eles trabalhassem bastante, poderiam sair dali, quando na verdade eles trabalhavam como escravos até a morte.

Em seguida, a visita segue para a área onde ficam os antigos alojamentos: do total de 28 blocos, 4 foram transformados em museus, hoje em dia abertos ao público. Aqui, a história do campo (obviamente muito atrelada à da própria Segunda Guerra Mundial) começa a ser explicada desde o seu início.

Blocos de alojamentos em Auschwitz I, a parte originária do complexo.

Tudo começou em 1939, quando o exército alemão invadiu a Polônia. Para que o domínio nazista se concretizasse, no entanto, a Alemanha se viu necessitada a enfrentar não apenas as forças armadas polonesas, mas também toda a população do país, que se opunha veementemente à ocupação nazista em seu território.

Assim, foi criado Auschwitz (versão alemã do nome da cidade polonesa Oświęcim, onde se localiza): o primeiro campo de concentração nazista na Polônia, o primeiro fora da Alemanha e o que se tornou o maior de todos eles.

Nesse sentido, o primeiro grupo de pessoas a serem mortas em Auschwitz foram os intelectuais poloneses, em uma estratégia nefasta de supressão cultural e organizacional por parte dos nazistas. Além disso, uma sequência de regras cada vez mais opressoras foram sendo instituídas contra os judeus, até culminar com a legitimação de seu extermínio nas câmaras de gás.

Por isso, até 1942 os poloneses compunham a maioria dos presos no campo. Com o tempo, porém, o espectro de vítimas se ampliou (especialmente após o ataque de Hitler à União Soviética) e os judeus passaram a ser a maior parcela dos subjugados. Isso também ajuda a explicar porque Auschwitz cresceu tão rapidamente, de modo que novos campos (Auschwitz II e III) foram construídos para suportar a chegada de novas vítimas.

Mapa do complexo de Auschwitz: Auschwitz I, II (Birkenau) e III. O tour visita Auschwitz I (museu) e II (memorial).

Aliás, uma diferença importante entre Auschwitz e os campos de concentração até então existentes, localizados na Alemanha, é que Auschwitz foi concebido desde a sua origem para ser um local de extermínio em massa. Isso porque os judeus alemães eram vistos pelos nazistas como “meio-humanos”, enquanto os judeus poloneses, na concepção do regime, não detinham qualquer humanidade e, portanto, “mereciam” ser aniquilados.

Em uma das primeiras salas da visita, tem um mapa explicativo do porquê esse foi o local escolhido para instalação desse campo: basicamente, os nazistas escolheram aqui porque fica bem no meio de uma área industrial, perto de minas, com muitas plantações e num lugar de fácil acesso para várias outras cidades da Europa.

Depois a gente passa por uma sequência de fotos daquela época, e nessa parte dá pra ver o impacto das propagandas nazistas que eram feitas para que as pessoas fossem para lá. Dá pra ver que, pelo menos no início, a maioria não fazia ideia do que estava acontecendo — tinha gente sorrindo para as fotos, gente que se voluntariava pra ir pra lá e até gente que pagou pra ser levada pra Auschwitz, de tão enganadas que elas foram pelo regime! Claro que, depois de um tempo, a propaganda não enganava mais ninguém.

As fotos mostram que, logo após a chegada, na saída do trem já acontecia a primeira seleção, que separava quem era considerado útil para trabalhar de quem iria direto para a câmara de gás.

Antes e depois da primeira seleção.

Na sequência, a visita percorre uma das partes mais pesadas do tour, que é a sala com objetos encontrados depois da evacuação do campo. Aqui, o que choca é a quantidade de objetos: itens de casa, malas, muletas, próteses, milhaaares de sapatos de adultos, mais milhaaares de sapatos de crianças…mas na verdade, essa é só uma pequena parte com relação a todo o resto de itens que foram destruídos pelos nazistas para não deixarem provas de seus crimes.

Óculos, próteses, utensílios domésticos, milhares de sapatos e malas, encontrados após a evacuação do campo. As malas e utensílios domésticos são demonstrativos de que a maioria das vítimas não fazia ideia da realidade na qual estava adentrando.

Vale registrar que os sapatos infantis testemunham a regra de que, exceto os gêmeos destinados a experimentos monstruosos, as crianças de até onze anos eram imediatamente exterminadas quando chegavam ao campo.

Crianças caminhando para a câmara de gás e alguns dos milhares de sapatos infantis encontrados após a evacuação do campo.

O mais tocante pra mim, no entanto, foi a sala que expõe uma quantidade indescritível de mechas de cabelo — símbolos de identidade e dignidade, eram cruelmente cortados e vendidos pelos nazistas. Quando Auschwitz foi evacuado, foram encontrados ali sacos com toneladas de mechas prontas para serem vendidas para indústrias de tecidos e cobertores. É chocante pensar como até isso os nazistas exploravam às custas dos presos! Nessa parte, é proibido fotografar e filmar.

Outra parte do tour que me tocou muito foi passar por um corredor cheio de fotos de pessoas que foram assassinadas no campo, com aquela mesma inicial de não reduzi-las a números.

Por fim, o tour termina em uma das poucas câmaras que sobreviveram ao final da guerra, porque a maioria foi destruída pelos nazistas pra não deixarem vestígios dos seus crimes. Os prisioneiros eram levados pra câmara acreditando que iriam tomar banho, mas na verdade estavam indo para o extermínio em massa. É importante notar que Auschwitz não foi o único campo de concentração onde havia câmara de gás, mas foi o único no qual esse extermínio foi organizado e executado em escala industrial.

A chaminé da câmara de gás sobrevivente e uma maquete que ilustra a estrutura de assassinato em escala industrial feita através das câmaras.

Inclusive, o museu também nos revela que o extermínio através das câmaras de gás era feito com um pó usado como desinfetante, que quando aquecido, libera um gás asfixiante. Essa substância era tudo que os nazistas procuravam para a execução do seu perverso objetivo: era barato, altamente tóxico (ou seja, precisava de pouca quantidade para matar muitas pessoas) e fazia isso de forma extremamente rápida (em 20 minutos matava cerca de 2 mil pessoas). Pra completar, a função originária do pó fornecia uma justificativa perfeita para que a compra em grandes quantidades não causasse suspeitas: a necessidade de higiene nos campos, que pelas condições precárias viviam sujos e cheios de doenças.

Latas do desinfetante em pó usado para asfixia nas câmaras de gás, encontradas após a evacuação do campo.

Em 1945, o complexo de Auschwitz foi finalmente evacuado e, como se o sofrimento já não tivesse sido bastante, os presos — doentes, desnutridos e congelados pelo inverno polonês — foram obrigados pelos nazistas a caminhar dezenas de quilômetros para longe do campo, episódio que ficou conhecido como “Marcha da Morte” e durante o qual muitas pessoas faleceram.

Por esse motivo, se tornou muito difícil estimar quantas pessoas ainda sobreviviam no campo quando da sua liberação, mas sabe-se que em torno de 1 milhão e 300 mil pessoas foram levadas pra Auschwitz entre 1940 e 1945 e 1 milhão e 100 mil morreram lá, sendo que aproximadamente 90% dessas vítimas eram judeus.

Quando o campo foi desocupado, os nazistas ainda estavam construindo novos alojamentos para a expansão do campo, que já era enorme.

Auschwitz-Birkenau, o enorme complexo (ainda em expansão quando foi evacuado) assim chamado pelo vilarejo que existia no local anteriormente, destruído para a construção do campo.

Em 1947, ocorreu a primeira exibição aberta de Auschwitz, que desde então é a maior testemunha dos horrores cometidos durante o holocausto.

INFORMAÇÕES PRÁTICAS SOBRE A VISITA

Auschwitz fica a algumas horas de Cracóvia, cidade a partir da qual o tour é feito em bate-volta. Eu reservei pelo Get Your Guide (nesse link aqui) e o serviço foi ótimo, não tenho nada a reclamar. Para esse tour, é estabelecido um horário, informado no dia anterior pelo Whatsapp ou email, e um local de encontro no dia marcado. Além disso, você pode levar o seu próprio lanche ou pagar um valor a mais para que ele seja fornecido a você durante o passeio.

Esse tour já inclui os ingressos para entrada no memorial (o que é muuuuito útil porque as filas são ENORMES, de verdade!) e também o acompanhamento de um guia do museu, o que considero super interessante dado o conhecimento mais aprofundado sobre a história do local. O guia que nos acompanhou foi excelente, e imagino que todos que trabalham lá devam exercer um trabalho de qualidade da mesma forma.

Chegando lá, um fone de ouvido é entregue para cada visitante, para que o guia possa ser bem escutado por todos sem precisar falar alto, em respeito ao local. O meu tour foi em inglês, mas também é oferecido em outros idiomas (infelizmente não em português).

Lembre-se que Auschwitz é considerado o maior cemitério do mundo! Portanto, o respeito durante a visita a esse lugar é fundamental! Por esse motivo, não é permitido falar alto, tampouco tirar selfies ou quaisquer fotos que envolvam pessoas. É permitido fotografar apenas os objetos e estruturas que testemunham as atrocidades cometidas nesse local.

DICA IMPORTANTE: Auschwitz fica em uma região muito mais fria do que Cracóvia. Além disso é um campo aberto, o que significa muito vento o tempo todo. Por isso, leve casaco mesmo se você for no verão! Eu fui em pleno mês de julho e peguei 10 graus com chuva e muito vento lá, então vá preparado!

Espero que este post tenha contribuído pra passar uma mínima noção dos absurdos que aconteceram em Auschwitz. Se você tiver a oportunidade, não deixe de visitar esse local, porque apesar de ser muito triste, é o turismo que possibilita que o memorial continue existindo e conscientizando as pessoas pra que nada nem parecido com isso nunca mais aconteça em nenhum lugar do mundo.

Para qualquer dúvida, estou a disposição por aqui ou pelas outras redes sociais. Se quiser saber mais, me acompanhe no instagram (@wheresluiza), onde eu posto várias informações e dicas sobre a minha viagem à Polônia e muitas outras.

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Luíza Cipriani

Viagens, livros e outras coisas mais. // 24, Florianópolis