VISITA AO PARQUE MEMORIAL QUILOMBO DOS PALMARES — o maior palco de resistência escrava no Brasil Colônia
Recentemente viajei a Alagoas e visitei um lugar que já há muito tempo queria conhecer: o Parque Memorial Quilombo dos Palmares! Aberto desde 2007, o parque tem como objetivo remontar as principais estruturas da época em que ali existia o maior quilombo da história do Brasil. Neste post, reuni um pouco do que vi e aprendi por lá, além de algumas informações relacionadas, que encontrei em leituras e podcasts.
O Parque Memorial fica no topo da Serra da Barriga — que tem esse nome pelo seu formato arredondado — , pertencente à cidade de União dos Palmares, a cerca de 1 hora e meia de viagem saindo de Maceió. Ali, em 1748 um português chamado Domingos de Pino fundou uma cidade à qual deu o nome de Cerca Real dos Macacos, devido à presença de muitos macacos na região. Depois disso, recebeu ainda vários outros nomes até que, em 1890, passou a ser chamada de União, graças à construção de uma linha ferroviária que ligava Recife a Maceió e tinha seu ponto de encontro ali. O “dos Palmares”, finalmente, foi acrescentado apenas em 1944, em homenagem ao antigo quilombo.
Antes de adentrarmos as informações relativas ao quilombo, é de grande importância notar que, tudo que conhecemos hoje sobre a história desse local tem como base, majoritariamente, fontes repressivas — isto é, escritas por colonizadores brancos — , cuja perspectiva interfere muito no objeto a ser estudado. Nesse sentido, o trabalho de investigação se torna ainda mais difícil uma vez que, no início da república, muitos arquivos da época da escravidão foram queimados.
QUILOMBO DOS PALMARES: ORIGEM E SIGNIFICADO
Primeiramente, cabe esclarecer a origem e significado do nome “Quilombo dos Palmares”. A palavra “quilombo” deriva de “kilombo”, que por sua vez vem do quimbundo, um dos idiomas falados em Angola. Em sua origem, significava acampamento, arraial, união ou cabana. Aqui no Brasil, o termo virou sinônimo de reduto de escravos foragidos. Havia centenas deles em todo o país, dos pampas gaúchos até a Floresta Amazônica. “Palmares”, por outro lado, foi escolhida para dar nome ao quilombo localizado na Serra da Barriga pela abundância de palmeiras de diversas espécies naquela região. Palmeiras estas que, aliás, eram de grande uso para os negros, sendo utilizadas para fazer casas, camas, para rituais religiosos, comida (principalmente o côco e o palmito), para extração de azeite e até de vinho! Nesse contexto, vale registrar que o termo “mocambo”, por fim, se referia a um aglomerado de moradias em um quilombo.
HISTÓRIA DO QUILOMBO
Ainda não se sabe com exatidão a data ou como se deu o início da história do Quilombo dos Palmares, mas estima-se que as primeiras aglomerações tenham se iniciado na virada do século XVI para o XVII. Segundo conta a tradição popular, tudo surgiu com a princesa africana Aqualtune, que liderou uma fuga de 40 escravos e com eles se embrenhou na mata até conseguirem chegar no alto da serra. A vantagem de se instalarem ali é que era o ponto mais alta da região, portanto permitia aos que ali estivessem visão privilegiada do entorno. Foi só com a chegada dos holandeses por volta de 1630, no entanto, que Palmares se organizou melhor, unificando sua população e com isso se fortalecendo.
O tempo foi passando e, na segunda metade do século XVII, estima-se que a população do Quilombo dos Palmares já se constituía por em torno de 4 a 5 mil pessoas, entre as quais a maioria era proveniente de Angola, a ponto de o local ser chamado por alguns de “Angola Janga” (“pequena Angola”). Vale notar, também, que cerca de apenas 1/5 da população palmarina era composta por mulheres, propiciando a constância de relações poligâmicas.
Diferentes tipos de feijão, cana de açúcar, mandioca e diversos outros alimentos eram plantados no quilombo, além de criar-se porcos e galinhas. Isso tudo possibilitava aos escravos ali refugiados viverem em um meio auto-suficiente, em uma época na qual a escassez de alimentos era muito comum. Ademais da agricultura para subsistência, os palmarinos também comerciavam a produção excedente nas vilas próximas, obtendo em troca sal, armas e pólvora, por exemplo, além da confiança da população local. Esses foram aspectos que, entre outros, contribuíram para a longa duração do quilombo.
Segundo Laurentino Gomes, em seu livro Escravidão, o que de fato tornou Palmares diferente de todos os demais quilombos da história do Brasil, no entanto, foi a sua enorme dimensão territorial e a extraordinária capacidade de resistência de seus habitantes — o que também os mantém ainda hoje como símbolo da luta dos afro-brasileiros por liberdade e direitos.
Várias foram as expedições organizadas contra Palmares ao longo do século XVII. Estima-se que, no total, as operações contra esse quilombo tenham custado aos cofres portugueses mais de 400 mil cruzados, o equivalente a 3 vezes o orçamento das oito capitanias brasileiras em 1612! Vale lembrar, ainda, que a Coroa portuguesa anistiava de antemão todos os bandeirantes por “eventuais” crimes cometidos durante as campanhas militares.
Todo esse esforço se deveu ao fato de que a simples existência do Quilombo dos Palmares desmentia e fragilizava os alicerces da própria ordem escravagista do Brasil colonial. Naquele contexto, aceitar Palmares significaria admitir que os escravos teriam algum espaço, ainda que precário, de resistência à brutalidade dos seus senhores.
Pouco a pouco, no entanto, a resistência palmarina foi sendo quebrada principalmente graças ao recrutamento, pelas tropas coloniais, de indígenas que conheciam a região e os caminhos que levavam às comunidades escondidas. Assim, o Quilombo dos Palmares começou a entrar em crise por volta da década de 1660.
A partir de 1670, na sequência, foram assinados alguns acordos de paz, que enfraqueceram significativamente o domínio das comunidades quilombolas sobre aquela região. Não suficiente, o ano de 1690 é marcado pela entrada do grupo de Domingos Jorge Velho na guerra contra Palmares. Esse mesmo grupo, em 1694, conseguiu finalmente exterminar o último reduto do Quilombo, no topo da Serra da Barriga. No ataque, foram utilizados canhões e a força de 11.000 homens, incluindo presos e outros escravos aos quais prometia-se alforria. Assim, muitos escravos foram capturados, presos e mortos.
Com a queda dessa última comunidade e de Zumbi, o histórico líder do Quilombo dos Palmares, os palmarinos sobreviventes não tiveram forças para continuarem uma vida em comunidade quilombola, pelo menos não naquele local.
Assim, depois de mais de 100 anos de existência, o Quilombo dos Palmares deixa de marcar presença no topo da Serra da Barriga para passar a marcar os livros de história nacional e mundial como o maior, mais importante e mais duradouro reduto de escravos fugitivos do Brasil colônia.
SOBRE A VISITA
Para visitar o Parque Memorial, há vans que saem da rodoviária de Maceió e vão até a Cidade de União dos Palmares, custando em torno de 15 reais (preços de fev/2020). Lá na cidade, há a possibilidade de contratar um guia local com a secretaria de turismo, cujo preço é negociado a depender do número de pessoas, mas tem custo médio de 60 reais.
Outra opção, que foi a que escolhi, é contratar o passeio com uma agência de turismo. Eu fiz com a CVC e foi tudo ótimo, mas imagino que outras empresas também ofereçam o serviço.
Dica: para almoçar na cidade de União dos Palmares, recomendo muito o restaurante Chimbras, que serve um ótimo buffet livre, com várias opções e ainda sobremesa de cortesia por 14 reais.
Enfim, termino este post registrando que conhecer o local em que antigamente existiu o Quilombo dos Palmares foi uma experiência sensacional, muito enriquecedora e com a qual aprendi muito! A todos que tiverem a oportunidade e se interessarem por história, recomendo fortemente a visita ao Parque Memorial, inclusive como forma de valorizar e manter viva a cultura quilombola, que sempre foi — e ainda é — muito negada na nossa historiografia tradicional, apesar de sua extrema importância.
Espero que você tenha gostado do post e, para qualquer dúvida, estou a disposição por aqui ou pelas outras redes sociais. Se quiser saber mais, me acompanhe no instagram (@wheresluiza), onde eu posto várias informações e dicas sobre a minha viagem ao Alagoas e muitas outras!